Artigo escrito por Marta Melo, Terapeuta Ocupacional
Um dos sinais de alerta mais comuns da Doença de Alzheimer, sobretudo nas fases mais precoces, é a perda de memória, mais concretamente, a memória a curto-prazo. À medida que a doença evolui, vão surgindo outras dificuldades decorrentes das alterações cognitivas, que afectam o desempenho da pessoa nas diferentes actividades de vida diária (AVDs). Muitas vezes encaramos estas actividades como demasiado simples ou pouco importantes mas a verdade é que ocupam uma grande parte das nossas rotinas e têm também um peso muito significativo nos papéis que as pessoas desempenham e, consequentemente, na sua auto-estima e qualidade de vida.
Tarefas que nos parecem simples, como preparar uma refeição ou vestir, acabam por se tornar exigentes e complexas para as pessoas com Doença de Alzheimer. Este facto não implica que a pessoa deixe de participar e ter um papel activo nestas e noutras AVDs mas sim que é necessário existir uma supervisão gradualmente crescente por parte dos cuidadores e familiares de modo a permitir que a pessoa mantenha a sua autonomia e independência por um maior período de tempo, e possa desempenhar estas tarefas com segurança. A substituição total do indivíduo na realização destas tarefas deve ser gradual e apenas quando este não tiver capacidade de as realizar.
Torna-se assim importante que os cuidadores e familiares tenham conhecimento não só da própria evolução da Doença, como de estratégias para melhor lidar com as alterações que irão ocorrer ao nível das AVDs.
As AVDs mais significativas são as que estão relacionadas com a alimentação, o vestuário, a mobilidade e a higiene e banho.
Importa ressalvar que cada pessoa é um ser único e, como tal, a doença não afecta todas as pessoas da mesma forma. As dificuldades/alterações nas AVDs referidas anteriormente não surgem de forma cronológica ou taxativa, isto é, poderão ou não surgir, e quando surgem, não se manifestam sempre na mesma fase.
Independentemente da AVD em questão, existem aspectos essenciais a ter em consideração por parte dos cuidadores, uma vez que estes poderão fazer a diferença para um melhor cuidar.
São eles:
[1] Conhecer a história de vida da pessoa (Por exemplo: que profissão/profissões teve? Como é constituída a família mais próxima? Como gosta de ser chamado/a?);
[2] Conhecer os seus hábitos, interesses e rotinas;
[3] Compreender que todos os comportamentos do ser humano têm um sentido ou uma motivação;
[4] Compreender o porquê do não, sem forçar ou exercer poder;
[5] Ver o mundo pela perspectiva da pessoa, procurando colocar-se no seu lugar e
[6] Ler e ouvir testemunhos de outros cuidadores;
É, também, fundamental compreender e aceitar a ideia de que, independentemente das dificuldades que a pessoa apresente quer a nível cognitivo, quer a nível motor, tal não implica alterações nas suas necessidades, ou muito menos significa que deixe de ter necessidade de alguns aspectos das mesmas.
Segundo Tom Kitwood, um dos grandes autores e pioneiros na área dos cuidados às pessoas com demência, todos nós, independentemente da nossa condição de saúde, temos necessidades psicológicas básicas, que têm uma relação directa com o nosso bem-estar, a nossa auto-estima e qualidade de vida. Como tal, também as pessoas com demência necessitam e merecem ser respeitadas nestas suas necessidades. São elas: amor, conforto, inclusão, vínculo, ocupação e identidade.
Se tivermos em conta tudo o que mencionamos anteriormente, e o “simples” facto de muitas das AVDs terem um enorme impacto e importância no nosso sentido de identidade, por exemplo, facilmente percebemos como as perdas graduais de funcionalidade afectam negativamente o bem-estar da pessoa.
Cabe-nos assim a nós, cuidadores formais e informais, procurar adaptar e modificar, não só as competências cognitivas associadas a estas tarefas, como também procurar perceber se o ambiente físico poderá ser uma barreira para o desempenho ocupacional da pessoa com demência. Desta forma, estaremos a promover uma maior autonomia nas diversas tarefas diárias, e a ir ao encontro das necessidades da pessoa.