Artigo escrito por Sofia Calamote, Advogada e Gestora da Viva In
Capacidade Jurídica vs Incapacidades
Enquanto pessoas, temos intrinsecamente direitos e deveres que nos são reconhecidos pela Constituição e reforçados por diversos outros diplomas legais nacionais e internacionais.
Esta suscetibilidade de ser titular de direitos e deveres chama-se Personalidade Jurídica e adquire-se no momento do nascimento completo e com vida e termina com a morte. A personalidade jurídica é irrenunciável. Se a pessoa é capaz de exercer os seus direitos e obrigações, tem capacidade jurídica, ou seja, tem capacidade de agir (exercício) e a capacidade de entendimento / consciência e/ou vontade do próprio.
Contudo, existem factores, naturais ou adquiridos, que interferem com a formação livre e esclarecida da vontade e que impedem as pessoas de reger convenientemente a sua pessoa e os seus bens.
O Código Civil enumera as seguintes incapacidades jurídicas: menoridade; deficiência de ordem física (cegueira, surdez-mudez); deficiência mental ou doença psíquica (ex. autismo, paralisia cerebral, trissomia 21, demência, doenças neurodegenerativas); certos hábitos de vida (ex. vício de jogo, álcool, drogas,…).
O código civil estabelece as formas de ultrapassar estas incapacidades: maioridade (18 anos ou 16 anos por emancipação); interdição (aplicada aos casos em que a pessoa não tem capacidade de gerir a sua pessoa e bens) e inabilitação (aplicada a casos em que a pessoa não tem capacidade de gerir os seus bens).
No caso das doenças neurodegenerativas, e atendo ao estado actual da Medicina, o prognóstico será o evoluir da doença afectando a mesma áreas cerebrais responsáveis pela formação correcta da vontade e a capacidade de raciocínio lógico e a memória. Para esta incapacidade, a lei prevê o seu suprimento na figura da interdição, uma vez que não existe capacidade de as pessoas gerirem a sua pessoa e os seus bens.
Vamos centrar-nos no processo de interdição, por ser a forma de suprimento da incapacidadicie de exercício que se adequa às pessoas que sofrem da Doença de Alzheimer ou outra doença neurodegenerativa.
PROCESSO DE INTERDIÇÃO
No caso das pessoas que sofrem de doenças neurodegenerativas, a interdição pode ser pedida a todo o tempo pelo: cônjuge, curador, qualquer outro familiar ou parente sucessível e pelo Ministério Público.
Documentos necessários:
| Assento de nascimento do interditando (pode ser pedido online)
| Declaração médica que ateste a doença e a incapacidade do interditando reger pessoa e bens.
| Indicar a identidade, grau de parentesco e residência de quem deve exercer o cargo de tutor, produtor e pessoas que vão constituir o conselho de família.
Tramitação / Procedimento
1. Petição inicial
2. Editais
3. Prazo para contestação do interditando (30 dias)
4. Interrogatório do interditando e seu exame pericial (quando seja possível formular de imediato um juízo seguro sobre a incapacidade do interditando, as conclusões periciais podem ser logo ditadas para a acta).
5. Sentença.
Efeitos da Interdição
Registo no assento de nascimento do interditado.
Trata-se de uma incapacidade fixa que equipara o interdito ao menor. De um modo geral, os interditos deixam de dispor de capacidade de exercício, isto é: de poder pessoal e livremente exercer os seus direitos e cumprir as suas obrigações. Passam a necessitar, para o efeito, de intermediação do tutor.
TUTOR
Por ordem de preferência, podem ser nomeados tutores: o cônjuge; a pessoa designada pelos pais em testamento; qualquer dos pais do interdito; os filhos maiores, preferindo o mais velho, salvo se se entender que algum dos outros dá maiores garantias de bom desempenho do cargo; e quando não se mostra possível que a tutela possa ser exercida por qualquer destas pessoas, cabe ao tribunal nomear o tutor.
O tutor tem direito a remuneração, não podendo esta, em qualquer caso, exceder a décima parte dos rendimentos líquidos dos bens do interdito.
São funções do tutor:
i. Exercer a tutela como um bom pai de família, zelando pelo bem-estar, saúde e educação do interditado, e assumindo, no essencial, os direitos e obrigações dos pais, para além do dever específico de cuidar da saúde do interdito e de procurar a sua recuperação (caso haja).
ii. Incumbe-lhe também apresentar ao tribunal uma relação dos bens e das dívidas do interdito.
Actos que o tutor não pode praticar e que se o fizer serão considerados nulos, designadamente:
| Dispor a título gratuito dos bens do interdito;
| Tomar de arrendamento ou adquirir, ainda que por interposta pessoa, bens ou direitos do interdito; e
| Celebrar em nome do interdito contratos que o obriguem a praticar certos atos.
Existe ainda a figura do protutor. O protutor é um dos vogais do conselho de família e a sua missão é a fiscalização da ação do tutor.
O tutor pode escusar-se (dispensar-se) à tutela ou ser removido ou exonerado (desvinculação do cargo)?
O cônjuge e ascendentes não podem escusar-se à tutela nem ser exonerados salvo em situações especiais.
Os descendentes podem ser exonerados ao fim de 5 anos a seu pedido se existirem outros descendentes idóneos.
Nos restantes casos podem ser exonerados ou removidos em determinadas circunstâncias.
A desvinculação/exoneração é sempre feita via tribunal.
Outras dúvidas que são frequentes dizem respeito às questões relacionadas com o TESTAMENTO e o TESTAMENTO VITAL.